sábado, 13 de fevereiro de 2010

Cristovam Buarque

Porque ele é tudo de bom que o Brasil precisa.

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Há cem anos, morria o maior dos abolicionistas


Professor (UnB) e senador (PDT-DF) - gabriel.reis@senado.gov.br

Em solenidade na Academia Brasileira de Letras, Marco Vinicios Vilaça lembrou a frase de Joaquim Nabuco: "Acabar com a escravidão não basta. É preciso acabar com a obra da escravidão".

A frase de Nabuco, repetida por Vilaça na ABL, mostra a grandeza do maior de todos os pernambucanos, que morreu há exatos cem anos. Ele foi político que ousou pensar, intelectual que não se omitiu em agir; pensador e ativista com causa; principal artífice da abolição do regime escravocrata no Brasil. Mas, apesar da vitória conquistada, reconhecia que a tarefa libertária não estava conquistada.

A obra da escravidão continua viva, sob a forma da exclusão social: pobres, especialmente negros, sem terra, sem emprego, sem casa, sem água, sem esgoto, muitos, ainda, sem comida; sobretudo sem acesso à educação de qualidade.

Se estivesse vivo, Nabuco olharia ao redor e se ressentiria de uma obra incompleta porque nós, seus sucessores, não fizemos o que ele defendia nas campanhas para deputado por Pernambuco: dar terra aos escravos e educação para os filhos deles. Sem isso, 121 anos depois da abolição, o Brasil continua um país escravocrata.

Ainda que não aceitemos vender, aprisionar e condenar seres humanos ao trabalho forçado, condenamos milhões ao desemprego ou trabalho humilhante por falta de qualificação.

Somos escravocratas ao deixarmos que a escola seja tão diferenciada, conforme a renda da família de uma criança, quanto eram diferenciadas as vidas na casa grande ou na senzala. Até hoje, não fizemos a distribuição do conhecimento: instrumento decisivo para a liberdade. Somos escravocratas porque todos nós, que estudamos, escrevemos, lemos e obtemos empregos graças aos diplomas, beneficiamo-nos da exclusão dos que não estudaram. Como antes, os brasileiros livres se beneficiavam do trabalho dos escravos.

Continuamos escravocratas, comemorando gestos parciais. Antes, com a proibição do tráfico, a Lei do Ventre Livre, a alforria dos sexagenários. Agora, com o Bolsa Família, o voto do analfabeto ou a aposentadoria rural. Medidas generosas, para inglês ver e sem a ousadia da abolição plena.

Somos escravocratas porque, como no século XIX, não percebemos a estupidez de não abolirmos a escravidão. Ficamos na mesquinhez dos nossos interesses imediatos, negando fazer a revolução educacional que poderia completar a quase abolição de 1888. Não ousamos romper as amarras que envergonham e impedem nosso salto para uma sociedade civilizada, como, por 350 anos, a escravidão nos envergonhava e amarrava nosso avanço.

Cem anos depois da morte do pernambucano Joaquim Nabuco, lembrou bem o pernambucano Vilaça ao dizer que a obra criada pela escravidão continua. Por negar educação de qualidade a todos, continuamos insistindo na permanência da obra maldita, que Nabuco ousou enfrentar.



Publicado em: 05/02/2010

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