sexta-feira, 30 de julho de 2010

Uninspired

Tá TÃO difícil achar tempo e assunto para escrever aqui...
Mas eu voltarei!

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Sobre a culpa das mulheres

Eu estava pensando em escrever um post sobre esse assunto. Mas acabei encontrando as palavras perfeitas aqui, e reproduzo abaixo..

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O que me deixa realmente enojada nesses episódios de violência contra mulheres é a maneira como, por uma manobra sutil, consegue-se tornar a vítima, culpada. É incrível como esse é um processo que já se naturalizou na nossa linguagem e, consequentemente, no nosso comportamento. Foram incontáveis as vezes em que ouvi essa semana, a respeito do caso Bruno: “O que ele fez não se justifica, mas ela também…” Hoje na academia meu sangue subiu e minha voz soou um tanto quanto irritada enquanto eu rebatia uma observação de uma das professoras a esse respeito, ao mesmo tempo em que piadinhas machistas pipocavam aqui e ali. E, vejam vocês, é uma academia só para mulheres. Incrível como não se consegue ver o óbvio. Vivemos numa sociedade machista e opressora e compramos e ratificamos todo santo dia o discurso que nos mantêm cativas. Não estou falando aqui de guerrinha de sexos, essa coisa caricata, infantil e ridícula, a qual também só faz alimentar essa situação.

O caso aqui é perguntar a respeito da tal frase que citei acima: ‘mas ela também’ o quê? E olha que eu perguntaria olhando a pessoa que emitiu a frase infeliz dando uma boa encarada, se pudesse. Porque essa é uma ‘colocação’ totalmente absurda e descabida. Não existe essa brecha. Essa fresta por onde se pode encontrar justificativa para qualquer barbaridade que se cometa contra uma mulher. Claro que violência é ruim por si só. Mas aqui o que está em pauta é um tipo de violência com um vetor específico, motivada por convicções que estão disseminadas nas cabecinhas das pessoas e que passam por naturais. A isso damos o nome de senso comum. Ocorre que ‘natural’ é um adjetivo totalmente falacioso. A partir do momento em que adentramos o reino da linguagem – isso em idade muito tenra – perdemos para sempre esse possível acesso ao mundo ‘natural’. O que temos é construído pela linguagem. E, muitas vezes, é essa mesma linguagem que nos impede de enxergar um dado estado de coisas. Como diz Wittgenstein [sempre ele]:

Donde vem isto? A idéia está colocada, por assim dizer, como óculos sobre o nosso nariz, e o que vemos, vêmo-lo através deles. Não nos ocorre tirá-los.

Investigações Filosóficas, §103

Reproduzimos as ideias que recebemos sem questioná-las, sem perguntar de onde elas vêm e a quem elas servem e como produto final temos isso: homens e mulheres que acham justo uma mulher ser violentada se a mesma estava usando uma roupa ‘provocante’, afinal, ‘ela pediu’. Toda uma sociedade que até acha errado que Elisa tenha sido morta com requintes de crueldade, mas que sempre se apressará em lembrar que ela era uma ‘Maria Chuteira’, que fazia filmes pornô, que era uma piranha [coisas que eu ouvi hoje, durante a malhação]. O que, no final das contas, reforça a ideia de que, se ela não tivesse ido lá,se ela não tivesse procurado… Ou seja. Elisa é a culpada da própria morte. O Bruno pode ter sido o mandante, mas, no fundo, a culpada é ela. Parece tão lógico a essas pessoas esse tipo de ‘raciocínio’.

O mesmo raciocínio que induz um delegado a dizer que, se uma moça estava desacordada, ele não pode afirmar que houve estupro – ainda que haja marcas de violência nos genitais, presença de esperma e – mais importante – o próprio depoimento da vítima. Isso, infelizmente, não é ficção. Aconteceu em Santa Catarina envolvendo jovens de 14 anos. Já posso imaginar quando o caso ganhar a grande imprensa: “Ah, mas o que uma mocinha fazia na casa de rapazes sozinha? Quem mandou ela se encher de vodca? Moças ‘direitas’ não fazem isso. Ela procurou!!!”. Quem viver, verá.

Idem no caso daquela turba enfurecida, na ocasião do quase linchamento da moça do vestido, lá na Uniban. Existem regras não escritas que as mulheres mandatoriamente têm que seguir. Do contrário, encontrarão o desprezo, o xingamento e pior: violência e morte. O corpo da mulher não pertence a ela – segundo esse mesmo pensamento. Pertence ao grupo social, ao macho que lhe ‘tomou’ por esposa, antes disso ao pai, aos irmãos a qualquer um, menos ela. Ela que experiemente querer viver sua vida como lhe aprouver, ela que ouse ser livre, que declare gostar de sexo, imagine. Quer dizer, declarar até pode, mas espere pelo pior. E não pensem que esse cenário – que mais lembra o Taliban – é comum apenas em lugares distantes dos grandes centros.

Sei que muitos podem evocar o caráter dessas mulheres como ‘justificativa’, ‘atenuante’ das barbaridades ou - como num espelho do mundo natural – um elo que une causa e consequência. ‘Elas não são flor-que-se-cheire’. Ocorre que não se desmontam preconceitos discutindo casos individuais. Não se desarticula uma situação de dominação evocando falhas de caráter. Como eu li outro dia no Twitter, direitos são direitos. Não se plesbicitam direitos, não se questiona se devem ser aplicados a A, B ou C. Direitos são para todos, indiscriminadamente. O que temos a fazer é validá-los, exigi-los, se esse for o caso. As ‘Marias-Chuteira’, ‘Marias-Gasolina’, ou seja lá que outro epíteto lamentável venham os homens a inventar, não são menos merecedoras dos direitos que qualquer ‘dona de casa honesta e mãe de família’. É preciso brigar por essa ideia todo santo dia.

Eu tenho um filho de 19 anos. E ensinei a ele que machismo é uma coisa errada. Ensinei a ele como detectar isso no comportamento dele e das pessoas que o rodeiam – porque muitas vezes são coisas bem sutis. Sempre disse a ele que não se resolve nada com violência e que – NÃO! – não está tudo bem bater numa mulher se você se desentende com ela. Isso não é aceitável, isso é errado. Bati nessa tecla e insisto até hoje em discutir com ele os casos que aparecem na mídia. Sempre acreditei que assim estaria criando um ser humano mais justo. Mais sensível ao sofrimento alheio. Mas acho que isso apenas é pouco. É preciso berrar, espernear, denunciar.

O caso Bruno me preocupa sim. Eu educo gente, eu sou responsável pela formação intelectual de gente que está começando a viver. Seria irresponsável da minha parte se eu simplesmente me recusasse a pensar sobre esse e tantos outros episódios violentos que têm acontecido ultimamente. Não sei como concluir esse texto. Acho que me perdi. Ou, de fato, não há conclusão a ser feita, a não ser de que, como grupo, estamos bem mal. Machismo é uma praga. E não me ocorre outra coisa que possa ser feita para combatê-lo a não ser, nos mantermos alertas. E falar; falar muito.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Aulas na rede estadual

Quando eu anunciei que estaria voltando para a sala de aula regular, mencionei 3 grandes problemas que o ensino de inglês enfrenta nas escolas, e enquanto divagava sobre um deles, falei:

Os alunos hoje em dia estão tão moldados para trabalhar somente sob terror que, se não tiver o professor-assustador olhando por cima do ombro deles, eles não fazem. É verdade.

Olha, se eu soubesse o quanto estava sendo profética...
Essa minha "nova" experiência ainda vai render muitos posts, comentários e tweets, mas eu só queria falar que realmente hoje é assim que funciona o ensino MESMO. Pelo que vi, todos os professores, de todas as disciplinas e todas as turmas só conseguem trabalhar com ameaças. Botar pra fora da sala, mandar pra diretoria, suspensão e dependendo do número de suspensões, o caso é mandado pro Conselho Tutelar.

Por sorte 99% dos pais ali na escola onde estou ainda é um pouco rígido, então os alunos tem algum medo. Mas fico pensando como é que se trabalha em escolas onde os pais já não tem mais o respeito dos filhos.

É triste e é muito frustrante vc aprender uma coisa na teoria (e achar tudo lindo) e ver que é impossível aplicá-la na prática. Pelo menos eu, sozinha, estou de mãos atadas.

Eu sou contra ameaçar, sou contra botar pra fora da sala, sou contra um milhão de coisas que me vejo obrigada a fazer no meu dia a dia. Na 5a série, os alunos "comportados" pediam pelo amor de Deus pra eu pegar logo a régua de madeira e começar a bater na mesa, pois quando os outros professores fazem isso, os alunos ficam quietos na hora. Mas eu ABOMINO essa idéia. Cara... Pegar uma régua de madeira e ficar batendo na mesa feito uma histérica? Sério? Não fiz. Resultado: foram 4 aulas onde eu não consegui dar aula. Não quis botar pra fora, não quis usar a régua, não quis mandar pra diretoria. Queria vencer no bom senso, uma hora eles iam ter que "se ligar" e olhar pra mim. Quatro aulas. Quatro aulas que eles NÃO se ligaram NEM olharam pra mim.

E eu quero ensinar. Eu amo ensinar. Eu só sei fazer isso e é só isso que eu quero fazer. E, po, EU QUERO! Nem que seja só praqueles 5 ali na frente que querem aprender, mas eu quero ensinar! E cheguei a conclusão que esses meus objetivos utópicos de despertar o bom senso neles estavam na verdade prejudicando esses 5 que ficaram olhando pra mim com aquelas carinhas de quem quer ouvir o que eu tenho pra falar!

E resolvi priorizar esses 5, numa atitude que eu também repudio. Não gosto de privilegiar ninguém e não gosto de ignorar ninguém e muito menos de deixar alguém pra trás. Mas eu não vi outra saída.

Daí começou o terror. Só que nem dava pra colocar ninguém pra fora, pois era um BOLO de bagunça tão grande que eu não conseguia pinçar um lá no meio pra fazer de exemplo. Ou mandava todo mundo pra fora, ou ninguém. A coordenadora vinha a cada 10 minutos olhar e perguntar se estava tudo bem e ameaçar suspensão. Até que um finalmente foi suspenso, quando disse que ia sair da sala e que "não tem homem nessa escola pra me colocar aqui dentro de novo". Dois dias em casa. E na última aula a diretora ficou em sala comigo, sentada lá atrás, tb ameaçando suspender o primeiro que abrisse a boca indevidamente.

Me senti frustrada e feliz ao mesmo tempo. Frustrada porque não quero ensinar desse jeito. Odeio essa política do terror. Mas feliz porque ensinei!!! E eles escutaram, e anotaram, e fizeram as atividades e aprenderam.

Mas, professor que porventura me lê, ensino é isso hoje em dia? Por livre e espontânea vontade eles não querem mesmo?

E por favor, não critique a minha incompetência se você nunca esteve em sala de aula. Se eu lesse esse meu post há 1 mês atrás, tb pensaria: mas que pamonha, ela está fazendo tudo errado! Até ver que educação na prática não é tão simples e tão bonita quanto pintam em livros.

domingo, 18 de julho de 2010

Entrevista Yvonne Bezerra de Mello

Pedagogia Uerê-Mello resgata o desempenho de crianças em situações de conflito e abusos

30/05/2010 | Por: ERIKA PELEGRINO

A carioca Yvonne Bezerra de Mello, fundadora do projeto Uerê, doutora em Filologia Lingüística, trabalha com projetos sociais envolvendo crianças desde que se conhece por gente. Começou com a mãe. A curiosidade guiou a jovem de 17 anos que estudava Filologia Lingüística na Sorbone e via que no subúrbio de Paris havia crianças que não estavam na escola. "As mães diziam que elas não aprendiam. Isso me deu um nó. O que faz com que crianças não aprendam."
Este questionamento a levou para diversos países da África onde identificou que nos países onde a estrutura educacional não era boa e havia violência, guerras, existia o mesmo problema: as crianças não aprendiam na escola. Não era só isso, Yvonne descobriu também, na década de 70, que havia tecnologias para melhorar o desempenho escolar apenas de crianças ricas.
"Comecei a pesquisar o que poderia ser feito para melhorar o desempenho como um todo – fala, ação, aprendizagem – de crianças pobres em contexto de violência. A neurociência ainda estava começando, ninguém falava em neuropedagogia e eu fui estudar o cérebro, suas reações diante da violência, e que partes deveriam ser ativadas para melhorar a aprendizagem."
Em 1980 ela voltou para o Rio de Janeiro e foi trabalhar com crianças de rua. "Eu comecei a montar uma escola sem portas nem janelas, trabalhando tudo o que eu tinha pesquisado. Daí veio a chacina da Candelária, em 1993. Fui a primeira chegar lá, porque as crianças me chamaram. Eu já trabalhava com elas. Eram 72, oito morreram. Peguei as que sobreviveram e montamos uma escola embaixo da ponte."
Era o embrião do projeto Uerê que hoje atende 430 crianças. Autora de quatro livros, além de livros didáticos e do livro sobre a pedagogia Uerê-Mello, fruto de 35 anos de trabalho, ela esteve em Londrina a convite do Observatório de Estudos da Violência (Obsocil) onde apresentou a metodologia em palestra e curso. Yvonne falou com o JL.
Qual o impacto da violência na capacidade aprendizagem das crianças? A violência física ou visual, porque a criança não precisa sofrer uma violência física, pode ser um abuso visual, bloqueia uma coisa muito importante para o aprendizado que é a memória curta.

Qual a associação entre violência e bloqueio da memória curta?
Isso acontece porque essas crianças têm a parte emocional toda comprometida. Nesses anos todos, apenas 1% das crianças que eu atendi tinham problemas neurológicos, os outros têm a inteligência intacta. Porém têm bloqueio emocional que faz com que o aprendizado não se dê. A primeira coisa que vai embora [no trauma emocional] é a memória curta.

Dê um exemplo.
Você fala mesa e pergunta para a criança o que foi dito e ela fala não sei. Isso acontece em todas as escolas, a professora explica a criança não retém a informação e a professora vai explicando, até que fica cansada.

E aí a criança é burra...
Exatamente. Aí a criança é burra. Aí manda para o médico, que dá remédio e começa um ciclo vicioso muito ruim. A maioria das crianças que toma remédio não precisa. Toma Ritalina, toma Ritalina com Tofranil, e rotulada de hiperativa, de bipolar e isso é a falta de um trabalho pedagógico.

A pedagogia Uerê-Mello trabalha para ativar essa parte da memória?
Sim. Eu não mudo nenhum currículo. O que eu mudo é a maneira de ensinar, atenta aos problemas da criança. Em qualquer sala de aula têm três níveis de crianças: as que aprendem de forma mais rápida, média e muito lenta. As muito lentas não são contempladas em nenhum lugar do mundo. Com esse método você consegue equilibrar a sala melhor, nestes três ritmos.

Você trabalha com momentos de sala de aula. De que forma?
Exatamente. Em 4 horas e meia de aula, a criança passa por 12 momentos e nenhum passa de 20 minutos. Isso porque até os 12 anos a criança não tem poder de concentração por mais tempo. Em uma aula de 40 minutos, que não contempla o limite dessa criança, o professor vai se estressar e o aluno não vai aprender. Fiz uma pesquisa em várias escolas do mundo todo, até na Finlândia, em escolas ricas e pobres; 20 minutos depois os pés começam a se movimentar, um cutuca o outro, começam as bolinhas de papel.

Como chegam ao projeto essas crianças em situação de violência?
Chegam completamente bloqueadas, porque o cérebro é como um computador que tem um armazenamento de informação. Quando você precisa de determinado dado você aciona uma tecla e lança mão daquele conhecimento armazenado. Normalmente as crianças pobres não têm esse conhecimento prévio de muitas coisas, porque não foram estimuladas. Então como dar aula sobre invasões francesa se ele não sabe nem onde é a França. Então, nesta aula você tem que construir esse conhecimento prévio, com ajuda de várias coisas, como mapas, noção espacial. Se a professora chega na sala de aula e copia no quadro negro, a criança não vai aprender.

Esse professor tem que estar implicado muito além da aula, pura e simples?
Ele tem que conhecer tudo isso. Tem que conhecer um pouco de neurociência e não se ensina isso na faculdade. O professor sai da faculdade preparado para ensinar a criança de classe média que tem esse conhecimento prévio. Essa criança pesca alguma coisa.

E esse mesmo professor for dar aula em uma comunidade mais pobre, violenta?
Ele não vai conseguir dar aula, por falta desse conhecimento de neurociência que não é dado na faculdade.

Além desse conhecimento cientifico, esse professor tem que ter uma disponibilidade afetiva maior?
Com certeza, porque você vai trabalhar com o emocional o tempo todo, essas crianças funcionam como uma lata de lixo que nunca esvazia...

Em que sentido?
No sentido em que elas têm mil problemas – que não sabem que são problemas porque estão em nível de subconsciente – e não conseguem falar com ninguém sobre eles. Aí manda para o psicólogo, mas se for trabalhado o princípio disso em sala de aula, você já melhora o contato desta criança com o psicólogo.

E o princípio disso na sala de aula é essa abordagem mais afetiva?
É essa questão da oralidade, com certeza. Até o 5 º ano nos primeiros 40 minutos no meu método, a professora só faz exercícios orais, não se pega em um lápis. Isso porque eu quero aquecer o cérebro, quero irrigar esse cérebro em 70% para que essa criança possa alargar a capacidade de armazenar informação, eu tenho que alargar a memória que é muito pequena, muito curta.

Como você mantém essa capacidade de aprendizagem se essas crianças não saem do contexto de violência?
Isso que é maravilhoso, porque você constrói dentro destas crianças uma auto-estima, um entendimento e quando o menino começa a aprender tudo muda na vida dele. Porque ele resolve uma questão particular dele. Não aprender é um terror para ele. Daí ele se fortalece para os problemas externos.

Esse cotidiano das crianças e de vocês que estão no projeto é marcado por essa violência. Você já chegou a ter que negociar com traficantes...
Acontece todos os dias. Temos comunidades em guerras, diariamente. De repente fecha tudo, entra polícia, traficante, arma. Ontem, eu fui dar aula numa escola na comunidade chamada Vila Cruzeiro, no Complexo do Alemão. Para chegar lá tive que passar num corredor polonês com uns 100 homens armados. As crianças passam por isso todos os dias, com que cabeça elas chegam na escola

Como você se fortalece para trabalhar diariamente neste contexto?
Resultados. Por exemplo, na semana passada, uma criança de nove anos chegou na escola muda. Tinha parado de falar, só chorava, não queria ir à escola. Aconteceu alguma coisa com esse menino. É a primeira coisa que temos que olhar. Fui conversando e o que tinha acontecido: o vizinho foi assassinado, ele foi o único que viu e não podia contar para ninguém, porque estava com medo de não sei quem. Daí ele bloqueou inteiramente. Comecei um trabalho só com ele e em três semanas já vou colocá-lo de novo na escola. Tem que ter essa sensibilidade. O que ia acontecer: ele ia emudecer, não ia falar nunca mais.

Nesse momento é a oralidade, poder falar, que muda tudo?
Muda tudo. Outro caso: eu fui dar uma aula em uma escola pública outro dia, e tinha um garoto de 13 anos com uma faca na sala e ele estava muito agressivo. Parei para conversar com ele, ver o que estava acontecendo. A mãe tinha morrido de Aids, o pai era completamente ausente. Ele estava vivendo sozinho e não tinha contado isso para ninguém. Agora como uma escola não sabe o que está acontecendo com um menino destes? Isso é uma falha no sistema educacional que vê o aluno como um número, não como uma pessoa. As pessoas fecharam os olhos para estas realidades? Completamente. No caso dos professores, por desconhecimento de técnicas de como melhorar essas situações. O que eles sabem fazer é dar uma aula tradicional. Eles não conhecem a morfologia do aluno para dar aula de acordo com aquilo, porque a faculdade não ensina. A escola parou no tempo. Você tem uma escola do século 19; o currículo é parecido ainda, a maneira de o professor se mover em sala de aula é a mesma. Tudo avançou. A escola não. Estamos criando um país baseado no não aprendizado. O nível de emprego que se cria nos últimos 20 anos é de até dois salários mínimos. Tem 450 mil empregos em nível técnico que não tem quem preencha. Isso é uma tragédia.

Na sua avaliação que impede uma revolução na educação brasileira?
A educação é rígida, são cartéis. Têm várias coisas arcaicas que deveriam ser mudadas. Desde o método de alfabetização que no resto do mundo é o fônico, só Brasil e Peru não usam esse método. Agora vai falar isso em Brasília.

Você tem vários livros também.
Tenho quatro livros, mais os livros didáticos e uma série de livros infantis. Mas é muito difícil publicar. Da série de livros infantis, só publicaram um.

Por que?
Porque nesses livros, inclusive nos didáticos eu quebro paradigmas. Nos didáticos, por exemplo, sempre tem uma parte que é para a criança trabalhar a família. Estas crianças entram em desespero. Elas não conhecem o pai, nunca viram os avós. Nos meus livros a família é a imediata, aquele que está cuidando no momento. Tem a questão da mulher que é sempre colocada como a coitadinha de lencinho na cabeça, com vassoura na mão. O que é isso? Eu coloca ela com salário igual ao do marido, coloco o marido fazendo serviço doméstico. É preciso desconstruir isso tudo nos livros didáticos.

O mesmo acontece com a forma como é contada a história dos negros, por exemplo...
É. No meu método, as crianças estudam a África desde os seis anos. Nos livros didáticos tradicionais o negro é apresentado apenas como escravo chegando no Brasil. Mas ele tem uma história antes disso. As escolas não fazem conexão com nada que seja referente ao mundo em que as crianças vivem. A escola está muito chata. Eu achava chata na minha época, você achava chata e as crianças acham chata.

Você ensina a partir da história da criança?
Tinha um aluno, por exemplo, que era o único negro na família. Ele era completamente introvertido por causa disso, apresentava dificuldades para aprender. Ele perguntava: "quem eu sou". Ele era negro porque tinha uma avó negra, que ele desconhecia, nunca tinha visto nem o retrato dela. Essa história dele foi contada e daí fui ensinar genética para ele. Em quatro meses, ele estava super bem na escola. É preciso descontruir a maneira de ensinar, hoje.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Siamês

Morador temporário da casa... Lindooooooooooooooooo!

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Mulheres na política

Luiza Nagib Eluf – O Estado de S.Paulo

As próximas eleições já entraram para a História, independentemente do resultado. Pela primeira vez no País duas mulheres disputam o cargo de presidente da República e estão entre os principais candidatos. Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PV) são as protagonistas deste pleito. Antes delas tentaram Lívia Maria Pio de Abreu (em 1989, ficando em 17.º lugar) e Heloísa Helena (em 2006, em 3.º lugar, com expressiva votação).

Se o fato de termos duas fortes postulantes ao Planalto numa mesma eleição é histórico e motivo de comemoração, a verdade é que a política no Brasil ainda é essencialmente masculina. A participação das mulheres é crescente na História brasileira, mas ainda está aquém do desejado. Somos a maioria da população do País e representamos 40% da força de trabalho fora do lar, mas continuamos invisíveis na área pública. Só em 1985 uma mulher se tornaria prefeita de capital (Maria Luiza Fontenelle, do PT, em Fortaleza) e apenas em 1995 o Brasil elegeria sua primeira governadora (Roseana Sarney, no Maranhão). Somente dois dos nossos Estados mais populosos já elegeram governadoras – Rio de Janeiro (Rosinha Garotinho) e Rio Grande do Sul (Yeda Crusius).

Na Câmara dos Deputados o cenário é ainda mais desanimador. Em 184 anos de existência do Legislativo, nunca uma mulher ocupou um cargo titular na Mesa da Casa. São apenas 45 mulheres em meio a 513 deputados, ou seja, míseros 8% de representação feminina. No Senado o índice sobe para 13%, mas ainda é inexpressivo. O porcentual de mulheres na Câmara e no Senado brasileiros é um dos mais baixos da América Latina e do mundo.

Apesar de a legislação determinar que os partidos preencham ao menos 30% de suas candidaturas com mulheres, isso não ocorre na prática. Entre os fatores que desestimulam as mulheres a participar da política estão o preconceito, que começa na própria família, a falta de incentivos financeiros e a dificuldade de encarar uma jornada dupla de trabalho, muito mais acentuada no caso de atividade partidária. Trata-se de um problema cultural. Durante grande parte da História do País, as mulheres não tiveram direitos civis nem cidadania plena. A elas eram negados os mais elementares direitos políticos, como votar e ser votadas. Só em 1932, no governo de Getúlio Vargas, as mulheres conquistaram o direito ao voto, depois de muita luta do movimento sufragista. Mesmo assim, apenas mulheres casadas (com autorização do marido), viúvas e solteiras com renda própria votavam.

Com o Estatuto da Mulher Casada, de 1962, algumas liberdades fundamentais foram conferidas às mulheres, como o direito de viajar sem autorização do marido ou de gerenciar seus bens patrimoniais. Mais tarde, a Lei do Divórcio (1976) possibilitou que casamentos fracassados pudessem ser oficialmente desfeitos, permitindo a dissolução do vínculo matrimonial, que, enfim, deixou de ser para sempre. A mesma lei igualou os direitos dos filhos, independentemente da situação dos pais. Esses passos aparentemente elementares, no entanto, resultaram de muito esforço de persuasão das militantes feministas. A verdadeira emancipação feminina só ocorreu com a Constituição de 1988, que equiparou homens e mulheres em direitos e obrigações. Em que pesem os avanços legais, convivemos ainda com os resquícios culturais dessa antiga situação de subalternidade.

A desigualdade de gênero nas instâncias de poder é um problema internacional. Em 1995 foi realizada em Pequim a IV Conferência Mundial da Mulher, um verdadeiro marco no avanço dos direitos femininos. Mas muitas das recomendações feitas às delegações oficiais dos países participantes não foram implementadas. As propostas legislativas que visavam a garantir o direito das mulheres ao patrimônio, à saúde e à liberdade sexual não se concretizaram em sua plenitude. Com a população feminina sub-representada nas áreas de comando e compondo apenas 20% dos legisladores em todo o mundo, segundo dados da ONU, estamos muito distantes das metas fixadas em Pequim. Nesse compasso, serão ainda necessárias muitas décadas para haver paridade de gênero nos cargos políticos de relevância.

Mulheres já foram eleitas presidente ou primeira-ministra na Índia, Alemanha, Noruega, Inglaterra, Argentina e no Chile, para citar alguns exemplos, mas uma andorinha só não faz verão. A emancipação efetiva só será realidade quando atingir todas as mulheres, em todas as classes sociais. Enquanto houver violência doméstica, discriminação no trabalho fora do lar e abusos sexuais, nenhuma sociedade poderá dizer que a igualdade de gênero foi alcançada. Por isso, fortalecer e proteger a população feminina deve ser um projeto de governo.

Um exemplo de divisão justa do poder foi adotado por Michelle Bachelet, no Chile, e por José Luiz Zapatero, na Espanha, que decidiram nomear um Ministério paritário (metade homens e metade mulheres). Essa medida, na esfera do Poder Executivo, é fundamental para promover o respeito a uma parcela da população até hoje subjugada e menosprezada pelos padrões patriarcais. Se as mulheres não estiverem no poder, suas reivindicações não serão concretizadas e os projetos que as beneficiam estarão fadados ao esquecimento.

No Brasil foi aprovada nova lei eleitoral (12.034/2009) que determina a obrigatoriedade de os partidos políticos destinarem 5% do fundo partidário à formação política de mulheres, prevendo punição para o descumprimento da regra, e do já mencionado preenchimento de 30% das vagas com candidaturas femininas. Além disso, reserva 10% do tempo de propaganda partidária em anos não-eleitorais para promover a participação da mulher.

Democracia aprende-se, constrói-se e se exerce. No caso das mulheres e de outros segmentos excluídos, a verdadeira democracia requer o acesso ao poder político. O Brasil cidadão precisa ser mais feminino, mais tolerante, mais igualitário, mais atento à preservação ambiental, em suma, mais responsável pelo seu futuro, nos exatos termos consignados em nossa Constituição.

PROCURADORA DE JUSTIÇA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SÃO PAULO SITE: WWW.LUIZAELUF.COM.BR

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Clareza e brancura

Faz muito mas muito tempo que, conversando com um amigo, chegamos a uma pergunta que era aparentemente sem resposta... Se todo (ou quase todo) branco tem tanto orgulho de ser branco, gosta de dizer que racista mesmo são os negros com essas camisas 100% negro e acham a pele branca mais bonita, porque tantos gastam tanto tempo, dinheiro e saúde em câmaras de bronzeamento artificial, ou torrando na areia da praia?

Eu nunca entendi. Todo mundo sabe que faz mal. Todo mundo sabe que envelhece. Todo mundo sabe que pode causar câncer. E mesmo assim, uma porcentagem incrível de mulheres brancas não aceita a sua própria cor.

Lendo um artigo da socióloga Karen Sternheimer que foi publicado AQUI, eu comecei a entender. Claro, porque tudo nesse mundo tem alguma explicação plausível. E essa obsessão dos brancos em virarem negros e ao mesmo tempo discriminarem eles tem que ter algum motivo. Todo mundo sabe (mas prefere ignorar) que ser branco traz mais benefícios do que ser negro. As diferenças já podem ser percebidas até mesmo entre negros que tenham tons de pele diferentes. Aquele negro "mais claro" já está em vantagem em relação ao negro "mais escuro". Inclusive estão chamando esse "fenômeno" de colorismo.

A pergunta que a Karen faz é por que a pele mais clara é um privilégio para alguns grupos (negros - ser negro claro traz mais benefícios do que ser negro escuro) e não para outros (brancos - branquelos tem menos privilégios do que bronzeados)?

No Brasil (e eu soube recentemente que em várias partes dos Estados Unidos) essa coisa do bronzeamento é quase uma obrigação. Você, se for branco, simplesmente TEM que se bronzear. Muitas amigas minhas (conhecidas, ok) chegam a pagar várias sessões de bronzeamento artificial ainda na primavera porque tem verdadeiro PAVOR de chegar na praia no verão e ainda estarem brancas. As pessoas olham para mim como se eu fosse uma alienígena quando eu falo que não, eu NUNCA pego sol e jamais deitaria numa dessas camas assassinas. As mulheres gostam de estarem bronzeadas. Os homens gostam de mulheres bronzeadas. Nos Estados Unidos até os homens fazem bronzeamento artificial. Porque as mulheres aparentemente também gostam de homens bronzeados.

Ela também dá algumas estatísticas, dizendo que, de acordo com a Academia Americana de Dermatologia, a indústria do bronzeamento artificial lucra aproximadamente 5 bilhões de dólares por ano, valor esse que quintuplicou desde 1992. 70% dos usuários são mulheres com idade entre 16 e 29 anos. A Fundação de Câncer de Pele estima que aproximadamente 30 milhões de pessoas usam bronzeamento artificial por ano, e que essas pessoas aumentam substancialmente as suas chances de contrair câncer de pele.

Tudo isso leva à pergunta: por que a pele bronzeada - algo que faz mal e envelhece - é geralmente considerada um sinal de beleza e saúde??

Ela responde voltando ao passado, pouco mais de um século, quando a pele clara (entre brancos) era privilegiada em relação a bronzeada. A maioria dos americanos ainda vivia em áreas rurais, e muitos trabalhavam no campo. A pele pálida refletia riqueza e implicava que a pessoa não precisava trabalhar ao ar livre. Com o fluxo de imigrações do sul e leste europeus, tons de pele mais claros do norte e oeste europeus denotavam status.

Depois da Primeira Guerra Mundial, muitas mudanças fizeram o bronzeamento ganhar popularidade. Primeiro, a economia mudou. A classe média aumentou e o trabalho se tornou automatizado, então estar ao ar livre era identificado mais com lazer do que trabalho. O aumento dos períodos de lazer cresceu com os aumentos salariais e a diminuição da semana de trabalho. As divisões étnicas européias começaram a perder seu poder devido ao efeito unificador da guerra também.

Tá explicado.
Sempre uma necessidade maluca de parecer melhor (leia-se, mais rico) do que o outro. Quanto mais rico, mais status. Quanto mais rico, menos se precisa trabalhar. Quanto menos precisa trabalhar, mais tempo para jogar tênis, golfe ou ficar tomando champagne na beira da piscina. Quanto mais lazer (tênis, golfe, praia e piscina), mais bronze. Logo, quanto mais bronze, mais status. Entendi!

quinta-feira, 8 de julho de 2010

O espelho é a nova submissão feminina

Entrevista com a historiadora Mary Del Priori, uma das especialistas em questões femininas. Autora de 25 livros inclusive "História das Mulheres no Brasil " .

Na Inglaterra, mulheres se engajam em movimentos que condenam a ditadura do rosa em roupas e brinquedos de meninas. Por que isso não ocorre aqui?
Mary Del Priore - Sem dúvida, elas estão à frente de nós. Esse tipo de preocupação está enraizado na cultura inglesa. Mas aproveito o mote para falar mal da Barbie. Trata-se de impor um estilo de vida cor-de-rosa a uma geração de meninas. Seus saltos altos martelam a necessidade de opulência, de despesas desnecessárias, sugerindo a exclusão feminina do trabalho produtivo e a dependência financeira do homem. Falo mal da Barbie para lembrar mães, educadoras e psicólogas que somos responsáveis pela construção da subjetividade de nossas meninas.

O que a sra. pensa das brasileiras na política?
Mary Del Priore - Elas roubam igual, gastam cartão corporativo igual, mentem igual, fingem igual. Enfim, são tão cínicas quanto nossos políticos. Mensalões, mensalinhos, dossiês de todo tipo, falcatruas de todos os tamanhos, elas estão em todos!

Temos duas candidatas à Presidência. A sra. acredita que, se eleitas, ajudarão na melhoria das questões relativas à mulher no Brasil?
Mary Del Priore - Pois é, este ano teremos Marina Silva e Dilma Rousseff. Seria a realização do sonho das feministas dos anos 70 e 80. Porém, passados 30 anos, Brasília se transformou num imenso esgoto. Por isso, se uma delas for eleita, saberemos menos sobre "o que é ter uma mulher na Presidência" e mais sobre "como se fazem presidentes": com aparelhamento e uso da máquina do Estado, acordos e propinas.

Por que o feminismo não pegou no Brasil?
Mary Del Priore - Apesar das conquistas na vida pública e privada, as mulheres continuam marcadas por formas arcaicas de pensar. E é em casa que elas alimentam o machismo, quando as mães protegem os filhos que agridem mulheres e não os deixam lavar a louça ou arrumar o quarto. Há mulheres, ainda, que cultivam o mito da virilidade. Gostam de se mostrar frágeis e serem chamadas de chuchuzinho ou gostosona, tudo o que seja convite a comer. Há uma desvalorização grosseira das conquistas das mulheres, por elas mesmas. Esse comportamento contribui para um grande fosso entre os sexos, mostrando que o machismo está enraizado. E que é provavelmente em casa que jovens como os alunos da Uniban aprenderam a "jogar a primeira pedra" (na aluna Geisy Arruda).

Há saída para a condição da mulher de hoje?
Mary Del Priore - Em países onde tais questões foram discutidas, a resposta veio como proposta para o século XXI: uma nova ética para a mulher, baseada em valores absolutamente femininos. De Mary Wollstonecraft, no século XVIII, a Simone de Beau voir, nos anos 50, o objetivo do feminismo foi provar que as mulheres são como homens e devem se beneficiar de direitos iguais. Todavia, no final deste milênio, inúmeras vozes se levantaram para denunciar o conteúdo abstrato e falso dessas ideias, que nunca levaram em conta as diferenças concretas entre os sexos. Para lutar contra a subordinação feminina, essa nova ética considera que não se devem adotar os valores masculinos para se parecer com os homens. Mas que, ao contrário, deve-se repensar e valorizar os interesses e as virtudes feminina s. Equilibrar o público e o privado, a liberdade individual, controlar o hedonismo e os desejos, contornar o vazio da pós-modernidade, evitar o cinismo e a ironia diante da vida política. Enfim, as mulheres têm uma agenda complexa. Mas, se não for cumprida, seguiremos apenas modernas. Sem, de fato, entrar na modernidade.

Fonte: Isto é.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Batata e Pirulito

Não, não dou nem vendo. Amo muito.

domingo, 4 de julho de 2010

Porque eu gosto da Rita Lee.

Nem toda feiticeira é corcunda. Nem toda brasileira é só bunda

Eu tinha 13 anos, em Fortaleza, quando ouvi gritos de pavor. Vinha da vizinhança, da casa de Bete, mocinha linda, que usava tranças. Levei apenas uma hora para saber o motivo. Bete fora acusada de não ser mais virgem e os irmãos a subjugavam em cima de sua estreita cama de solteira, para que o médico da família lhe enfiasse a mão enluvada entre as pernas e decretasse se tinha ou não o selo da honra. Como o lacre continuava lá, os pais respiraram, mas a Bete nunca mais foi à janela, nunca mais dançou nos bailes e acabou fugindo para o Piauí, ninguém sabe como, nem com quem.

Eu tinha apenas 14 anos, quando Maria Lúcia tentou escapar, saltando o muro alto do quintal da sua casa para se encontrar com o namorado. Agarrada pelos cabelos e dominada, não conseguiu passar no exame ginecológico. O laudo médico registrou vestígios himenais dilacerados, e os pais internaram a pecadora no reformatório Bom Pastor, para se esquecer do mundo. Realmente esqueceu, morrendo tuberculosa.

Estes episódios marcaram para sempre e a minha consciência e me fizeram perguntar que poder é esse que a família e os homens têm sobre o corpo das mulheres? Ontem, para mutilar, amordaçar, silenciar. Hoje, para manipular, moldar, escravizar aos estereótipos.

Todos vimos, na televisão, modelos torturados por seguidas cirurgias plásticas. Transformaram seus seios em alegorias para entrar na moda da peitaria robusta das norte americanas. Entupiram as nádegas de silicone para se tornarem rebolativas e sensuais, garantindo sucesso nas passarelas do samba. Substituíram os narizes, desviaram costas, mudaram o traçado do dorso para se adaptarem à moda do momento e ficarem irresistíveis diante dos homens.

E, com isso, Barbies de facaria, provocaram em muitas outras mulheres; as baixinhas, as gordas, as de óculos; um sentimento de perda de auto-estima. Isso exatamente no momento em que a maioria de estudantes universitários (56%) é composta de moças. Em que mulheres se afirmam na magistratura, na pesquisa científica, na política, no jornalismo. E, no momento em que as pioneiras do feminismo passam a defender a teoria de que é preciso feminilizar o mundo e torná-lo mais distante da barbárie mercantilista e mais próximo do humanismo. Por mim, acho que só as mulheres podem desarmar a sociedade.

Até porque elas são desarmadas pela própria natureza. Nascem sem pênis, sem o poder fálico da penetração e do estupro, tão bem representado por pistolas, revólveres, flechas, espadas e punhais. Ninguém diz, de uma mulher, que ela é de espada. Ninguém lhe dá, na primeira infância, um fuzil de plástico, como fazem com os meninos, para fortalecer sua virilidade e violência. As mulheres detestam o sangue, até mesmo porque têm que derramá-lo na menstruação ou no parto. Odeiam as guerras, os exércitos regulares ou as gangues urbanas, porque lhes tiram os filhos de sua convivência e os colocam na marginalidade, na insegurança e na violência. É preciso voltar os olhos para a população feminina como a grande articuladora da paz. E para começar, queremos pregar o respeito ao corpo da mulher.

Respeito às suas pernas que têm varizes porque carregam latas d'água e trouxas de roupa. Respeito aos seus seios que perderam a firmeza porque amamentaram seus filhos ao longo dos anos. Respeito ao seu dorso que engrossou, porque elas carregam o país nas costas.

São as mulheres que irão impor um adeus às armas, quando forem ouvidas e valorizadas e puderem fazer prevalecer à ternura de suas mentes e a doçura de seus corações.

(Rita Lee)

sexta-feira, 2 de julho de 2010

O Feminismo

A ideia de feminismo, para a grande mídia, não é mais da mulher que luta pela qualidade de vida, que busca verdadeiras conquistas sociais, mas tão pura e simplesmente da moça embrutecida que fala mal do ex-namorado e sai à noite com as amigas, todas desprovidas de companhia masculina (quando muito, um irmãozinho mais novo ou um afilhado de uma das moças). Essas moças foram induzidas a exercer um tipo grotesco pela mídia machista, elas são vítimas do machismo, mas a mídia, pondo a sujeira debaixo do tapete, prefere creditar essas moças como "feministas" apenas porque esculhambam os homens de suas comunidades.