sexta-feira, 19 de março de 2010

A mulher e a política

Divulgo texto de Gabriela Moncau, que saiu na Caros Amigos de março, sobre a história e a conjuntura atual do movimento feminista. Boa leitura.

Lugar de mulher é na política
Por Gabriela Moncau

Dia Internacional da Mulher completa cem anos com grandes conquistas e muitos desafios.

"Lutamos por uma sociedade de brasileiras que compreendam que a mulher não deve viver parasitariamente do seu sexo, aproveitando os instintos animais do homem, mas que deve ser útil, instruir-se e a seus filhos e tornar-se capaz de cumprir os deveres políticos que o futuro não pode deixar de repartir com ela". A frase parece representar uma demanda atual do movimento feminista, mas foi pronunciada pela zoóloga Bertha Lutz, em 1918, oito anos depois da definição do 8 de março como Dia Internacional da Mulher. Ao alcançar o centenário, a data traz à tona reflexões sobre o que representou esse período de luta pela igualdade de gênero.

No entanto, as batalhas feministas vêm de bem antes de 1910 e, entre as mudanças ao longo de séculos de luta, o próprio conceito do que é mulher tem tomado outras formas. A ideia de que elas são definidas por sua capacidade reprodutora é algo que paulatinamente tem sido quebrado.

"Há os que ainda pensam que, por termos essa capacidade biológica, somos obrigadas a cumpri-la, como animais reprodutores. Mas somos seres humanos com capacidade de decidir se, quando, como e com quem queremos ou não ter filhos ou filhas. O que humaniza e qualifica a maternidade", afirma Maria José Rosado, uma das fundadoras e coordenadora da organização Católicas pelo Direito de Decidir. "Há décadas, uma mulher era associada estritamente à ideia de cumprir a função de boa esposa e mãe. Hoje, essas características permanecem, mas são mais sutis ou disfarçadas e somam-se a outros elementos, como a função de boa profissional", completa Nalu Faria, da Marcha Mundial das Mulheres.

Sujeito político

Já para a uruguaia Lilian Celiberti, da Articulación Feminista Marcosur, "a principal transformação a se comemorar depois de cem anos da data é a constituição das mulheres como sujeitos políticos, com capacidade de questionar e disputar sentidos teóricos e práticos que impactam a organização da sociedade", analisa. Por mais que as mulheres estivessem presentes em todas as lutas históricas da humanidade, é o feminismo que traz a ideia da mulher enquanto sujeito político próprio, denunciando a existência da opressão específica de gênero, o patriarcalismo, que perpassa todas as classes e etnias. Nalu acredita que o feminismo trouxe mudanças no entendimento do que é cada área da organização social: "Na economia, por exemplo, o trabalho doméstico tem um papel na reprodução do capitalismo que é importantíssimo".

Portanto, apesar da comemoração das vitórias alcançadas ao longo desses anos de batalhas, o horizonte das lutas ainda não foi alcançado: caso contrário, apontam as feministas, o padrão das relações sociais e culturais da sociedade teria sido radicalmente alterado. O diagnóstico é de que o machismo, assim como o capitalismo, tem uma afiada capacidade de se redefinir e se adequar a cada momento histórico.

Parte do movimento feminista visa construir um projeto de sociedade em conjunto com os outros setores anticapitalistas. "A compreensão de que a pauta não é específica das mulheres, mas faz parte de uma crítica global ao modelo e, portanto, exige o entendimento da sociedade dividida por gênero, classe, raça e etnia é fundamental para a união de diversas lutas que têm o mesmo fim", sintetiza Nalu Faria. "As lutas das trabalhadoras domésticas, das pescadoras, das camponesas contra o agronegócio, articulam-se com o combate à violência de gênero e com a bandeira pelo aborto legal", aponta Lílian Celiberti.

Questionada sobre a superação do machismo dentro das próprias organizações antissistêmicas, Celiberti reforça: "as mulheres têm que disputar o poder, questionando as formas de política que as excluem e questionando a legitimidade das propostas de esquerda que não contemplem horizontes de emancipação para homens e mulheres".

O movimento feminista vive atualmente um momento importante, pois construiu uma plataforma unificada em torno das reivindicações latentes e baseada no acúmulo de experiências das lutas anteriores. Segundo Maria Amélia de Almeida Teles, da Articulação de Mulheres de São Paulo, "hoje existe uma construção de propostas unificadas no mundo inteiro, com mais articulação na América Latina". As principais bandeiras, além da disputa nos espaços políticos – institucionais e no interior das próprias organizações – são contra a violência às mulheres e pela legalização do aborto. Nesses dois pontos, avaliam as feministas, ainda há muito a avançar.

Violência doméstica

As violências físicas praticadas contra as mulheres escancaram uma das formas mais perversas da desigualdade entre os gêneros. Exemplos de agressões não faltam e evidenciam a naturalização das agressões. Em junho de 2007, o espancamento da trabalhadora doméstica Sirlei Dias de Carvalho Pinto, abordada num ponto de ônibus por jovens de classe média do Rio de Janeiro, e a justificativa mais preconceituosa ainda – "achávamos que era uma prostituta" –, demonstrou, segundo as feministas, que a misoginia e a negação da humanidade da mulher ainda estão arraigadas em nossa sociedade.

Além disso, a violência dentro do âmbito doméstico atinge índices assustadores. De acordo com dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça em 2009, a quantidade de processos em tramitação no Brasil relacionados à agressão doméstica chegou a 150.532. No entanto, como consequência de muita luta do movimento de mulheres, a questão deixou de ser tratada como parte do fórum íntimo para ser vista como um problema público, social e cultural.

A conquista, em 2006, da Lei Maria da Penha (n° 11.340/06), que responsabiliza família, Estado e sociedade por "toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão" contra as mulheres, foi comemorada por todos os setores feministas.

Gabriela Moncau é estudante de jornalismo

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