sexta-feira, 23 de abril de 2010

Involução ideológica

A feminista e filósofa francesa Elisabeth Badinter, que acaba de lançar o polêmico livro O conflito - A mulher e a mãe, acredita que estamos no centro de uma involução ideológica no que diz respeito ao papel da mulher. O regresso a um naturalismo desnecessário (parto normal, amamentação, cama compartilhada com filhos, mãe em tempo integral) e a um processo de culpabilização da mulher, pressionada a acreditar que boa mãe é a que se doa por inteiro à maternidade.

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Eu nem sou mãe e nem penso em ser, mas isso não quer dizer que eu não tenha opiniões a respeito da maternidade. E esse parágrafo tão minúsculo me deu so much food for thought que eu nem sei por onde começar.

Como é difícil desconstruir coisas que estão na minha cabeça desde sempre, quase que tatuadas... E como eu me contradigo! Acho que isso é temporário.

Explico. A vida inteira, sempre pensei que o lugar da minha mãe era em casa, cuidando de mim. Morria de inveja das minhas amigas que tinham as mães em casa, e eu ia na casa delas e elas faziam lanchinhos e pipoca pra gente comer no meio da tarde.

Isso me levou a concluir que o lugar da mãe era dentro de casa. Não o lugar DA MULHER, mas o lugar da mãe. Ou seja, se vc fosse solteira ou não tivesse filhos, sem problemas trabalhar fora e etc. Mas, engravidou, acabou-se. Lugar de mãe é com os filhos. E isso me levou a uma série de associações perigosas. Uma coisa foi levando à outra, e logo concluí que quem quer ser mãe tem que se dispôr a uma série de "sacrifícios", do contrário, deveria desistir.

E eu queria ser mãe um dia, então decidi antecipadamente que meus filhos não iriam para cheche nem a pau - pois eu jamais confiaria em estranhos educando meus filhos, que se possível eles seriam homeschooled (eu ainda não sabia que homeschooling era proibido no Brasil) e, no final das contas, eu passaria o resto da minha vida em função deles, levando para o inglês, para o judô, para a escola, ajudando nas tarefas, brincando no parquinho, etc, etc, etc. Quando começou Desperate Housewives, a Bree era meu modelo. Queria ser como ela. "Perfeita".

Todo mundo diz que ser mãe é a maior realização da vida, não diz? Então, eu ia me sentir 100% realizada cada vez que trocasse fralda, cada vez que arrumasse a cama deles, cada vez que tivesse que assinar uma advertência na agenda da escola. E não precisaria de mais nada além disso para ser feliz. Segui a lógica que me ensinaram desde pequena - qdo digo me ensinaram, não me refiro aos meus pais, mas sim a todo o sistema, mídia, filmes, escola, and so on.

Depois que eu comecei a ler sobre feminismo, uma série de mitos e crenças que eu tinha foi caindo por terra. E isso não acontece sem uma certa crisezinha e confusão. Entre elas, esse mito de mãe-perfeita. E também o mito da supermulher. Foi bem na fase em que eu tava me dobrando em 3 para dar conta de tudo que eu achava que tinha a obrigação de dar conta. Querendo impressionar - e ser amada - pelo meu então namorado, entrei numa fase de quase auto-destruição, onde trabalhava 12 horas por dia (supermulher tb tem que ganhar dinheiro), chegava em casa, fazia janta (homens felizes e bem cuidados precisam comer salgado à noite, e não sanduíche), lavava as roupas, ajeitava a casa e ainda acatava as ordens aleatórias dele, do tipo "dá uma limpada nisso aqui". Porque dar uma limpada é coisa de mulher, logo, ele não podia fazer.

Como é que eu podia não ser feliz assim né? Ainda não entendo (ironia mode on).

E eu me rendi ao feminismo não intelectualmente, mas primeiro fisicamente mesmo. Fisicamente eu não aguentava mais aquele ritmo de supermulher, e parei. E comecei a pensar será que alguém de fato aguenta viver assim. E será que EU precisava mesmo viver assim, e onde estava a tal felicidade e sensação de realização que toda mulher deveria sentir ao cuidar da casa e do marido??? Será que a anormal era eu?

Agradeço a Betty Friedan por me mostrar que eu não sou anormal, e a Susan Faludi por me mostrar que tudo que eu pensava ser "natural" (inclusive o que diz respeito a maternidade) é resultado do backlash.

Bom, como eu disse lá no começo, eu nem sabia por onde começar, e olha só no que deu...

2 comentários:

Rosane Magaly Martins disse...

Confesso que o maior conflito da mulher atual é esse, querer ocupar todos os espaços, sem perceber que não dá conta de tudo. E reconhecer que o instinto maternal é cultural, pois não há instinto maternal e sim o que a sociedade quer que você seja obrigada a fazer pelo bem da dita família. Eu também passo por momentos de desconstrução, onde não sei se deveria ter tido marido, familia, filhos, pois tudo o que fiz deu errado ou não foi possível ser da forma idealizada por mim. E é normal também rejeitarmos tudo o que não " deu certo" e caminharmos para as experiências que nos reconhecem, valorizam e preenchem espaços do outro, da visão do outro. Como humanos e sociais, precisamos do olhar e reconhecimento do outro para aprofundarmos e reconhecermo-nos como humanos. E está difícil descobrir este olhar. beijo filha...

Carla Mazaro disse...

Eu nunca tenho paciencia para amigas mulheres!! rsrs
Belo texto... gostaria que mais pessoas se interessassem por feminismo... ai iriam entender q a culpa num é da "tal de betty"...