segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A construção do meu feminismo

Li AQUI e amei. Grifos meus.

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Foi em uma sexta-feira. Eu, estagiária-modelo, já pensava em arrumar minhas coisas para ir embora, pois eram quase 18 horas. Ela chegou desesperada, queria uma separação de corpos. Seu corpo estava todo marcado, manchas roxas no rosto e arranhões.

Não dá mais. Ela suplicava por uma solução no corredor do fórum nos tempos pré-Lei Maria da Penha. A oficial de Promotoria a conduziu para dentro da nossa sala. Eu estava perplexa. É claro que já tinha ouvido falar em violência contra a mulher. Tinha tido aulas sobre feminismo no colegial, na faculdade. Achava muito bonito dizer que não se nasce mulher, torna-se.

Mas ela estava ali. Na minha frente. Temia por sua vida, pela vida dos seus filhos. Não sabia se podia deixa-lo, dizia entre soluços. Não tinha dinheiro. Não sabia para onde ir. O que iriam pensar dela?

Eu que tinha feito intercâmbio, dirigia, votava, estudava Direito, pensava em ser juíza e era dona do meu nariz. Achava que o tempo do feminismo tinha passado. As conquistas foram necessárias, mas se dizer feminista era algo meio "demodé". Coisa de mulher reclamona. Hoje nos tinhamos direitos iguais, não?

Não. Aquela mulher na minha frente era a prova disso. Não éramos iguais. Havia homens que achavam que as mulheres eram suas propriedades, que eram menos, que podiam menos. E havia uma sociedade que fingia que não via, e concordava com isso.

E aos poucos fui olhando ao meu redor: eu trabalhava com 7 outras mulheres, mas nossos chefes eram todos homens; muitas de minhas colegas desistiam de ser juízas ou diplomatas por medo de não casarem por uma escolha profissional; isso era esperado de quase todas (senão de todas) nós: casar, ter filhos, cuidar da casa. Mulheres ainda recebem menos que homens, são julgadas pelos seus atributos físicos antes do seu intelecto, são forçadas a uma dupla jornada porque não há uma divisão do trabalho doméstico, são vítimas de violência simplesmente por serem mulheres.

A verdade é que o meu feminismo não surgiu naquele dia. Ele foi construído pelos meus questionamentos num mundo que dizia o que meninas podiam e não podiam fazer, pelas leituras de Simone de Beauvoir que minha professora de filosofia do colegial nos dava como tarefa, pelos blogs da Denise e da Cynthia, pela professora de Sociologia que na Faculdade de Direito entendeu ser mais importante nos ensinar o feminismo histórico do que Weber.

Mas naquele dia me descobri feminista. E é por aquela mulher e por tantas outras que ainda não têm voz, que hoje digo sem titubear que sou feminista.

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