quinta-feira, 8 de julho de 2010

O espelho é a nova submissão feminina

Entrevista com a historiadora Mary Del Priori, uma das especialistas em questões femininas. Autora de 25 livros inclusive "História das Mulheres no Brasil " .

Na Inglaterra, mulheres se engajam em movimentos que condenam a ditadura do rosa em roupas e brinquedos de meninas. Por que isso não ocorre aqui?
Mary Del Priore - Sem dúvida, elas estão à frente de nós. Esse tipo de preocupação está enraizado na cultura inglesa. Mas aproveito o mote para falar mal da Barbie. Trata-se de impor um estilo de vida cor-de-rosa a uma geração de meninas. Seus saltos altos martelam a necessidade de opulência, de despesas desnecessárias, sugerindo a exclusão feminina do trabalho produtivo e a dependência financeira do homem. Falo mal da Barbie para lembrar mães, educadoras e psicólogas que somos responsáveis pela construção da subjetividade de nossas meninas.

O que a sra. pensa das brasileiras na política?
Mary Del Priore - Elas roubam igual, gastam cartão corporativo igual, mentem igual, fingem igual. Enfim, são tão cínicas quanto nossos políticos. Mensalões, mensalinhos, dossiês de todo tipo, falcatruas de todos os tamanhos, elas estão em todos!

Temos duas candidatas à Presidência. A sra. acredita que, se eleitas, ajudarão na melhoria das questões relativas à mulher no Brasil?
Mary Del Priore - Pois é, este ano teremos Marina Silva e Dilma Rousseff. Seria a realização do sonho das feministas dos anos 70 e 80. Porém, passados 30 anos, Brasília se transformou num imenso esgoto. Por isso, se uma delas for eleita, saberemos menos sobre "o que é ter uma mulher na Presidência" e mais sobre "como se fazem presidentes": com aparelhamento e uso da máquina do Estado, acordos e propinas.

Por que o feminismo não pegou no Brasil?
Mary Del Priore - Apesar das conquistas na vida pública e privada, as mulheres continuam marcadas por formas arcaicas de pensar. E é em casa que elas alimentam o machismo, quando as mães protegem os filhos que agridem mulheres e não os deixam lavar a louça ou arrumar o quarto. Há mulheres, ainda, que cultivam o mito da virilidade. Gostam de se mostrar frágeis e serem chamadas de chuchuzinho ou gostosona, tudo o que seja convite a comer. Há uma desvalorização grosseira das conquistas das mulheres, por elas mesmas. Esse comportamento contribui para um grande fosso entre os sexos, mostrando que o machismo está enraizado. E que é provavelmente em casa que jovens como os alunos da Uniban aprenderam a "jogar a primeira pedra" (na aluna Geisy Arruda).

Há saída para a condição da mulher de hoje?
Mary Del Priore - Em países onde tais questões foram discutidas, a resposta veio como proposta para o século XXI: uma nova ética para a mulher, baseada em valores absolutamente femininos. De Mary Wollstonecraft, no século XVIII, a Simone de Beau voir, nos anos 50, o objetivo do feminismo foi provar que as mulheres são como homens e devem se beneficiar de direitos iguais. Todavia, no final deste milênio, inúmeras vozes se levantaram para denunciar o conteúdo abstrato e falso dessas ideias, que nunca levaram em conta as diferenças concretas entre os sexos. Para lutar contra a subordinação feminina, essa nova ética considera que não se devem adotar os valores masculinos para se parecer com os homens. Mas que, ao contrário, deve-se repensar e valorizar os interesses e as virtudes feminina s. Equilibrar o público e o privado, a liberdade individual, controlar o hedonismo e os desejos, contornar o vazio da pós-modernidade, evitar o cinismo e a ironia diante da vida política. Enfim, as mulheres têm uma agenda complexa. Mas, se não for cumprida, seguiremos apenas modernas. Sem, de fato, entrar na modernidade.

Fonte: Isto é.

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